Se a ciência parar, o agro para?

Como poderíamos, há poucas décadas, imaginar que solos de baixa fertilidade natural, baixa capacidade de trocar cátions, eleva da acidez, associados a um clima cujo período de chuvas se concentra em alguns meses do ano, com poriam áreas que promovem produtividades de destaque mundial? Como seria possível, na década de 1980, imaginar que o Brasil seria um dos principais produto res de grãos, frutas, verduras, madeira, carne, energia e fibras, tendo no eixo agrícola seu braço forte como vemos hoje?

Sim, o Brasil é um forte player no mercado agrícola mundial, fundamental para a produção de ali mentos em nível global. Uma cesta básica passou a valer muito menos nos anos 2000 do que valia há 30 anos.

Em meio às crises econômicas e energéticas globais, restrições de oferta de insumos e pro dutos devido à pandemia e guerra, e fragilidades internas, como déficit logístico, moeda frágil, inflação, etc., a agricultura foi responsável por manter o País ativo, segurar o PIB (27% do PIB Brasil em 2021) e nos fez respeitados mundialmente.

 QUEM É O AGRO

A pergunta inicial, entretanto, é fundamental para nos posicionarmos para os próximos anos se a Ciência parar, o Agro para? A resposta pode ser curta e certeira

– sim, o Agro para.

Tudo o que temos no setor agrícola atualmente, toda força e vitalidade, existe graças ao trabalho, muitas vezes solitário e silencioso, de cientistas e suas equipes.

Vale reconhecer que a maior parte de tudo o que é desenvolvido, é mantido pelo setor público, uma vez que as principais tecnologias nas cem com estudos realizados por instituições públicas, como as universidades e a Embrapa.

Mas, este setor é volátil, e em curto prazo, investir em ciência e tecnologia não se reverte em votos! Assim, em cada crise que a nação atravessa, este é o primeiro setor que recebe cortes de verbas. Sem investimento não existe pesquisa, o que implicará em estagnação tecnológica e de inovação no curto prazo.

 RECURSOS

Apesar da sociedade muitas vezes não perceber, para cada ideia de pesquisa, muitos recursos são necessários. Desde a manutenção de laboratórios e campos experimentais, como recursos para pesquisadores que iniciam suas carreiras em cursos de mestrado e doutorado.

Destacase o fato de que os programas de pósgraduação no Brasil são bastante recentes, com aproximadamente seis décadas, e já con tribuíram enormemente com a ciência em to das as áreas.

Grande parte da produção científica brasileira e mundial passa pelas mãos dos estudantes de pós-graduação e seus orientadores/equipes. Os novos pesquisadores dedicam anos de sua carreira a trabalhos que exigem primorosa qualificação, ganhando, muitas vezes, bolsas que estão bem abaixo do valor de mercado.

Para que a ciência possa contar sempre com a capacidade e força de novos profissionais e os

avanços científicos e tecnológicos mantenham pelo menos o mesmo nível de desenvolvimen to, é preciso que a sociedade reconheça e va lorize as instituições que abrigam os cursos de pósgraduação e respondem pela formação intelectual e continuidade do ensino e pesqui sa no País e no mundo.

Porém, nem tudo precisa ser mantido so mente pelo Estado, mas é essencial seu empenho para o desenvolvimento científico de um País, especialmente para pesquisa básica ou inter mediária, que geram produtos comerciais de médiolongo prazos.

 NOVAS POSSIBILIDADES

No mundo desenvolvido, a título de exemplo, nos EUA e na Europa, universidades e outras instituições de pesquisa têm investimento massivo em pesquisa com recursos públicos, entre 60 e 77% (Caires, 2019).

Há a possibilidade de que os recursos venham também da iniciativa privada, como ocorre de forma vigorosa em países desenvolvidos e fortes, como os Estados Unidos, o que pode se aproximar de 50% dos recursos destinados à pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

Nas instituições de ensino e pesquisa de países assim, não é incomum placas que homenageiam pessoas que doaram e/ou doam regularmente recursos para o desenvolvimento das instituições públicas em suas diferentes atividades, incluindo a pesquisa.

No Brasil, entretanto, o financiamento pú blico à pesquisa tem sido pequeno e regressivo,

e muito pequeno pelo setor privado. Em 2019 o Brasil investiu cerca de R$ 89,5 bilhões em P&D, o que representou naquele ano 1,2% do PIB Brasil.

Países em desenvolvimento, como a China, e os desenvolvi dos, em geral, têm investido a partir de 2,2% do seu PIB em P&D. Alguns casos, como Israel, podem se aproximar de 5%.

 ONDE ESTÁ O PROBLEMA?

As questões brasileiras pare cem estruturais. Em geral, não se discute com a população aspectos importantes e estratégicos para o desenvolvimento do País em suas diferentes vertentes, incluindo o desenvolvimento científico e tecnológico, talvez como uma métrica objetiva do grau de investimento em educação de uma nação.

De fato, uma população “maleducada” conseguiria perceber essas importâncias com nitidez suficiente para colaborar construtiva mente no debate de questões de tamanha im portância?

O recorte histórico em que estamos inse ridos pode nos levar a pensar que jamais se remos ultrapassados na produção agrícola por outra nação. Afinal, quem tem água e clima para plantar e colher como o Brasil?

Mas, não nos esqueçamos, boa parte do que é produzido, para não dizer tudo o que é produzido, precisa de fornecimento de nutrientes minerais (fertilizantes que são majoritariamente importados, cerca de 80%), tecnologias como pivôs de irrigação, satélites, tratores, pulverizadores, manejo e melhoramento genético. Estas tecnologias não nascem espontaneamente do chão. É preciso muita pesquisa e investimentos. Então, por que produtores rurais e empresas nacionais não investem efetivamente na educação e pesquisa, assim como investimos, muitas vezes, em jogadores de futebol, mercado financeiro e tantas outras coisas que não são assim, tão fundamentais para o fortalecimento do País como uma nação soberana e desenvolvida que almejamos ser?

 POR ONDE PASSA A SOLUÇÃO

Como fazer o setor público em suas diferentes esferas entender e passar a investir mais em educação, como motor primário para o desenvolvimento científico tecnológico do País, se seus resultados transcendem quatro anos?

Por que, ainda hoje, toleramos explorar, de forma ainda insustentável ou ilegal, terras como a região Amazônica, de grande riqueza natural, étnica, botânica e mineral?

A sociedade deveria discutir com atenção estas pautas e reconhecer as instituições públicas como um tesouro que merece ser cuida do, melhorado e apreciado por todos.

Foi em uma instituição pública brasileira que, na década de 80, uma pesquisadora chamada Johanna Döbereiner isolou um microrganismo que possibilitou ao País produzir a soja mais barata do mundo.

Os inoculantes produzidos a partir das descobertas da pesquisadora são produtos de baixo custo e contribuem para uma agricultura de baixo carbono, além de possibilitar a produção sem o uso de caríssimos fertilizantes nitrogenados. Também foi graças à pesquisa que a planta de soja foi melhorada para produzir em regiões tropicais.

 ASSUNTO SÉRIO

Seríamos o que somos, caso não existisse a ciência? Certamente não. Há muito o que melhorar e a ciência brasileira não pode parar, pelo contrário, deveria estar sendo fartamente incentivada e financiada por instituições públicas e privadas, com isso, possibilitando a diminuição da dependência externa por fertilizantes, defensivos, equipamentos e deixando grande legado intelectual que sustente o desenvolvimento para o longo prazo.

Os investimentos podem ser feitos pela iniciativa privada diretamente em laboratórios, bolsas de estudo para pesquisadores em início de carreira e equipamentos, estimulando assim a manutenção de cérebros no País, e reconhecendo, desta forma, o seu valor.

E possível mudar este quadro, o que não é uma utopia se, como civis, encontrarmos uma forma de retornar para a pesquisa, com investimentos de longo prazo, aquilo que colhemos graças a ela.

Quando a sociedade olhar para os pesquisadores com o respeito, reconhecimento e pensar em dar as mãos a eles, teremos atingido   aquilo   que   realmente importa – um plano de nação que ultrapassa os limites das urnas eleitorais que se abrem a cada quatro anos.

Seremos imbatíveis mundial mente, não somente na agricultura, mas em todos os setores que somente a educação de qualidade pode fazer florescer. Os cientistas são os pilares que sustentam o mundo moderno. Mas, quem se importa com eles?

Liovando Marciano da Costa

Doutor e professor – Universidade Federal de Viçosa (UFV

Na foto : Araína Hulmann, Batista Wedisson Oliveira Santos

Doutores e professores – Universidade Federal de Uberlândia (UFU)